domingo, 9 de outubro de 2011

REMINISCÊNCIAS


Autora:  Terezinha Rocha de Almeida


Havia um quintal com pés de pimenta
e três coqueiros.
Um meu, outro seu, outro dele.

Havia um fundo de quintal,
paraíso das fadas e mistérios da Amazônia,
o laboratório rústico do meu pai...

Havia lagartas-de-fogo,
lagartas listradas de cajueiro,
borboletas no pé de parece-mas-não é.

Havia música de canção prisioneiro nas manhãs.
Guriatãs, bem-te-vís, curiós e sanhaços
que saudavam o amanhecer
cantando nas bananeiras,
libertos e libertários.

Havia até um papagaio
que vivia na casa de Nanã e dizia :
- Ciça me dá café.

Havia um rádio preto antigo, bonito,
onde minha mãe chorava ouvindo novelas.
Seus botões e sua madeira me encantavam.

Havia chamas que se seguravam
em frascos de Magnésia Phillips
chamados candeeiros alcoviteiros.

Havia caixotes de sabão
que ousavam ser cadeiras,
os gabinetes dos futuros doutores.

Havia uma luz mortiça, elétrica,
que alumiava as brincadeiras da meninada :
_ Boca de forno ?
_ Forno !
_ Fizeste o que eu disse ?
_ Fiz !

Havia medo da “ tintureira “,
do papa-figo, do lobisomem, da morte.

Havia Nanã que nos dava batata - doce.
Nanã preta, forte, generosa.
Um rochedo.

Havia o Miro com sua enorme barriga d’água,
cantarolando na janela :
_ “ Tião ?
_ Oi.
_ Foste ?
_ Fui.
_ Compraste ?
_ Comprei.
_ Me diz quanto foi ?
_ Foi quinhentos réis “

Havia um velho cinema
onde se assistia filmes de faroeste
e ouvia-se à noite “Meu cigarro de palha.“

Havia procissões, festas  de Santa Luzia,
enterros de anjos, burrinhos no carnaval.

Havia a loja do seu Chico, a Bomba do Gonzaga,
os pequenos vendedores de sururu.

Coisas simples, pequenas, sinceras.

Meu pai que trazia “ Mané Gostoso “, calunga de galalite ;
sapos e ratos coloridos de madeira que andavam ;
escaravelhos dourados, gafanhotos,
até helicópteros de lata
que bamboleavam em rodas de pequenos carros.

E era tudo tão terno, tão claro, tão simples,
tecido de coisas tão queridas
que me fizeram até escrever um poema
com cheiro de boninas e manhãs povoadas de bem-ti-vis.

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