domingo, 16 de outubro de 2011

CICATRIZES DA HISTÓRIA



Autor:  Prof. Salomão de Barros Lima



A Universidade Federal de Alagoas apresentou oficialmente, no sábado passado, à sociedade alagoana, os novos médicos de 1981, numa belíssima solenidade de formatura. O que mais nos impressionou foi àquela mensagem viva, desfilando simples e garbosamente, do idealismo consciente desta nova geração de médicos. Não sei por que não confiar na juventude, quando ela é capaz de nos dá belas lições. Eles, os novos médicos, emergiram naquela noite para assumir com maturidade, em seus discursos e promessas, o ideal vivo de fé num mundo melhor. Utopia ou ilusões da pouca idade – poderão dizer – mas, nós, que fazemos o mundo de hoje continuaremos a confiar nesta juventude que vai dirigir o terceiro milênio.
Infelizmente nós fracassamos. Estamos terminando o século com um mundo pontilhado de guerras, atentados, fome e miséria. Até hoje, a história dos homens foi a história da opressão. Ao lado das grandes realizações, constatamos feridas profundas que foram cavadas na carne de nossos irmãos para gastá-la como se fosse carvão, produtor de energia-trabalho, para se extrair a riqueza que não foi distribuída com todos. Apesar da pregação evangélica, que dominou o segundo milênio, os homens não foram capazes de viver como irmãos; mas ao contrário, usaram a fé como se fosse ópio para o oprimido, prostituindo assim a mensagem de Deus para satisfaz seus mesquinhos interesses.
Dessa forma, o conquistador cristão do ocidente espoliou a nossa América, dizimando tribos indígenas e, insaciáveis na sua busca de ouro, ainda gastou a carne do irmão da África Negra como se fosse uma “peça” de Guiné ou Angola, para produzir riquezas que se acumularam nos tesouros das nações poderosas da Europa.
- O que nos resta hoje?
- Noventa milhões de verminóticos, dez milhões de chagásicos, quinze milhões de esquistossomóticos, dez milhões de doentes mentais, sem falar nos desnutridos, nos tuberculosos, nos acidentados do trabalho que povoam as filas dos nossos hospitais ou perambulam pelas ruas em busca da caridade pública.
Esta é a grande ferida da história...
Senti profunda emoção, quando vi desfilar, entre os imponentes pórticos do Teatro Deodoro, a figura de um velho pai, conduzindo a filha doutora. Era-me alguém conhecido que há muito tempo não via. Sim, lembrei-me. Era aquele operário de Fernão Velho, que tinha perdido um dedo nas engrenagens da fábrica, transformando seu corpo em matéria energética para produção da riqueza, que jamais foi sua. Ele vencera, pois a filha doutora era a sua riqueza. Era aquela jovem médica que pronunciou o belo discurso sobre a realidade brasileira com a precisão capaz de fazer inveja aos melhores cientistas sociais.
Parabéns doutora!
Saí feliz, naquela noite, certo de que a nova geração de médicos, conscientes de sua responsabilidade, transformará em realidade a utopia do grande médico Cristo, curando não só a doença, mas as chagas da sociedade. Naquela noite, eles nos prometeram um novo tempo onde a miséria e a opressão não serão mais que cicatrizes na história.

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*Crônica escrita pelo Prof. Salomão de Barros Lima e publicada no jornal TRIBUNA DE ALAGOAS em julho de 1981.  

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